sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Assembleias em agonia há 15 anos

«Sem peso político e sem dinheiro, as assembleias distritais não funcionam. Há quem defenda a extinção destes organismos que se limitam a gerir equipamentos e a pagar salários.


Politicamente desvalorizadas e inoperantes, muitas sem fontes de rendimento, as assembleias distritais, organismos de cariz autárquico consagrados pela Constituição da República, vivem numa situação de "morte lenta" há mais de 15 anos. Das 18 assembleias previstas, correspondentes a igual número de distritos em que Portugal Continental está dividido, só oito funcionam regularmente. Os serviços que lhes estão ligados gerem museus ou bibliotecas e organizam colónias de férias. Os autarcas que as integram reúnem-se três vezes por ano, ma apenas quando há quórum.

O actual presidente da Assembleia Distrital de Lisboa, José Manuel Custódio, considera que, "nos moldes actuais, a existência deste órgão autárquico não faz qualquer sentido". A falta de peso político destas entidades, as competências que as limitam à gestão de um ou outro projecto cultural, o desinteresse dos autarcas e do próprio poder central, ou a sobreposição de atribuições relativamente às áreas metropolitanas - de Lisboa, do Porto, e mais recentemente do Algarve - são razões que contribuíram para transformar as assembleias distritais em entidades obsoletas.

EXTINÇÃO

José Manuel Custódio, que é também presidente do município da Lourinhã, está entre o grupo de autarcas que não se opõe ao fim dos organismos em causa, embora lhes reconheça o facto positivo de serem as únicas que, simultaneamente, integram representantes das câmaras, das assembleias municipais e das assembleias de freguesia. Seja como for, apesar de o desejo de extinção ter ganho adeptos, segundo uma fonte do Ministério da Administração Interna, tutelado por António Costa, de momento essa hipótese não está prevista.

Por outro lado, conforme evidencia ainda José Manuel Custódio, tal situação só poderá ocorrer após uma alteração da Constituição da República e mediante uma reorganização administrativa. Nomeadamente, através da regionalização defendida pelos socialistas, mas que José Sócrates só admite voltar a referendar numa eventual segunda legislatura.

A Lei fundamental do País contempla de facto a existência das Assembleias Distritais e associa-as a órgãos com carácter executivo, os governos civis. Mas a verdade é que, entre ambos, não há, actualmente, qualquer ligação de carácter institucional.

Esta confusão legal resulta, em parte, do "não " ao referendo sobre a regionalização, em 1998, que obrigou a manter a divisão distrital do País.

MEIA CENTENA DE TRABALHADORES

A coordenadora da Comissão Nacional de Trabalhadores das Assembleias Distritais, Ermelinda Toscano, reconhece que, hoje em dia, estes organismos "já não interessam, nem ao Governo, nem aos autarcas". Por isso se interroga, por que razões continuam a existir, ao mesmo tempo que defende a reintegração da cerca de meia centena de funcionários das ditas assembleias em autarquias ou outras entidades da administração central. Assim como admite que o património, ainda na posse destes mesmos organismos, seja transferido para outras entidades estatais.

Há contudo um aspecto para o qual Ermelinda Toscano alerta e que se prende com o facto de os museus e bibliotecas das assembleias distritais serem propriedade comum dos municípios que as integram.

Para esta técnica da Assembleia Distrital de Lisboa, aquilo que não pode manter-se é a persistente agonia e esvaziamento dos serviços, devido a aspectos de carácter legal e do foro político. Depois, explica ainda, há também que considerar as dificuldades financeiras com que os sectores ainda afectos às assembleias se deparam - os orçamentos resultam de quotizações anuais das autarquias e envolvem montantes que não sofrem alterações desde 1998.

Tal facto impossibilita a modernização dos serviços prestados, mas também, em alguns casos, tem dado origem a que os funcionários se sujeitem à humilhação de solicitar às câmaras que estas entreguem as quotizações, de modo a que os salários sejam pagos no final de cada mês. Desencantada com uma situação que se arrasta há anos, Ermelinda Toscano lança um desabafo final:"ao menos dêem-nos uma morte digna".

ORÇAMENTO SÓ PARA SALÁRIOS

Com seis funcionários e uma biblioteca para gerir, a Assembleia Distrital de Lisboa está instalada no terceiro andar de um prédio de oito pisos de que já foi proprietária. O edifício pertence actualmente ao Governo Civil, bem como o conjunto de imóveis e quintas que, segundo Ermelinda Toscano, coordenadora dos serviços culturais desta assembleia, tornavam aquele organismo supra municipal o mais rico entre os congéneres.

Quando os membros da assembleia – 16 presidentes de câmara e 32 representantes das assembleias municipais do distrito, dois por cada uma - se reúnem em plenário, fazem-no no salão nobre do mesmo edifício onde funciona a sede do organismo. Mas, para que tal suceda, têm de pedir autorização ao Governo Civil.

Actualmente, sem património que lhes proporcione receitas, os serviços funciona à custa de um orçamento anual que ronda os 200 mil euros, suportado pelas quotizações, algumas com um ano de atraso, dos 16 municípios que integram o distrito de Lisboa. Segundo o presidente deste órgão, José Manuel Custódio, é uma verba que dá para pouco mais do que pagar salários.

Se em Setúbal e Beja as respectivas assembleias distritais mantêm vivos, respectivamente, os museus de arqueologia e Etnografia e rainha D. Leonor, e se os de Castelo Branco e de Santarém continuam a levar as crianças dos dois distritos para as suas colónias balneares (Na Nazaré e na Areia Branca), no caso de Lisboa apenas se mantém activa a biblioteca. No entanto, a falta de verbas tem impedido a renovação do espólio, assim como imobilizou o núcleo de investigação arqueológica e o sector editorial, antes responsável pela publicação de revistas sobre o património edificado do distrito.

Além das cinco assembleias distritais referidas, também os serviços de Viseu, Porto e Bragança mantêm alguma actividade. No final do ano passado, a Assembleia Distrital de Faro foi extinta oficiosamente, por decisão da Associação de Municípios do Algarve. Isto porque, segundo o presidente desta entidade, o social-democrata Macário Correia, a referida assembleia, herdeira das juntas distritais e provinciais criadas durante o Estado Novo, era "um órgão inútil".»

João Maltez, Jornal Tal & Qual, 09/02/2007

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