Condenadas à morte lenta?
O colapso das Assembleias Distritais já se arrasta há demasiado tempo (quase duas décadas) e os trabalhadores têm sido os únicos a tentar que a situação se altere. A notícia que a seguir transcrevemos foi publicada no Jornal do STAL, n.º 66, de Junho de 2002 mas continua perfeitamente actual... até parece que nada mudou... a não ser para pior.
«Abandonadas pelos governos, desprezadas por muitos autarcas e ignoradas pela opinião pública, as Assembleias Distritais agonizam devido à falta de verbas e à indefinição quanto ao seu futuro. Os trabalhadores exigem respostas.
Poucos saberão que são, que competências têm e para que servem as assembleias distritais. No entanto, o alheamento da população em relação a estes órgãos do poder local é apenas comparável à incúria e ligeireza com que o poder político os tem tratado nas últimas décadas.
Herdeiras das juntas de província, passaram em 1959 a designar-se juntas distritais. Após o 25 de Abril, a Constituição de 1976 consagrou-as com o nome de assembleias distritais, conferindo-lhe uma existência provisória até à instituição das regiões administrativas, que poriam fim à divisão distrital.
Porém, a história seguiu um curso que a Constituição da Revolução dos Cravos não podia prever e a Regionalização, chumbada em referendo popular, acabou por não se concretizar.
Provisórias há 26 anos, e apesar de ainda não terem substituto, as assembleias distritais são hoje uma sombra do que já foram por culpa de sucessivas alterações que as esvaziaram de competências, meios e atribuições.
Depois de lhes terem sido retirados alguns serviços durante os anos 80, o ponto de ruptura tem lugar em 1991, com o decreto lei 5/91, que limita a sua composição aos autarcas, (até aqui os governadores civis presidiam por inerência estes órgãos, o que fazia delas órgãos desconcentrados da administração central), reduz os seus serviços a algumas áreas da cultura e remete para as autarquias a responsabilidade pelas suas despesas de funcionamento, cortando a verba proveniente do Orçamento de Estado.
Património a preservar
Compostas pelos presidentes de câmara e das assembleias municipais e por um presidente de junta de freguesia eleito na respectiva assembleia municipal, as assembleias distritais têm obrigação de reunir pelo menos duas vezes e deliberar sobre matérias de âmbito supramunicipal. Contudo, em alguns casos, nem isso acontece há vários anos.
Das 18 que existem em todo o país, apenas metade dispõe de serviços e respectivo quadro de pessoal. Em todo o país, são cerca de 60 trabalhadores que, diariamente, cumprem com zelo as suas funções e lutam com persistência e determinação contra a crónica falta de meios que são recusados pelas autarquias que os tutelam.
Mas mesmo tendo perdido as alargadas atribuições do passado (serviços de assistência social, saúde, habitação, apoio técnico de planeamento, etc.), as assembleias distritais de Beja, Faro e Setúbal possuem ainda importantes museus regionais, mantendo vários projectos de ligação com a comunidade escolar da região. As de Bragança e Viseu são responsáveis por prestigiadas revistas, respectivamente, a «Brigancia» e «Beira Alta». A Assembleia Distrital de Lisboa, para além de ter em funcionamento uma biblioteca pública e um núcleo de investigação arqueológica, promove a realização de exposições temporárias e edita, regularmente, o Boletim Cultural, a Revista de Arqueologia e a colectânea Monumentos e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa. Outras, como as de Castelo Branco e Santarém, mantêm em actividade colónias balneares, respectivamente, na Lourinhã e na Nazaré.
Em luta pela dignidade
Cansados da indiferença dos autarcas (muitos dos quais nem sequer pagam as suas contribuições), e da indefinição dos últimos governos, os funcionários mobilizaram-se a nível nacional e constituíram, em Novembro de 2000, uma Pró-Comissão de Trabalhadores com representantes de sete das nove Assembleias Distritais que dispõem de quadro de funcionários (Beja, Castelo Branco, Faro, Lisboa, Setúbal, Santarém e Viseu).
Entre outras iniciativas, esta estrutura lançou, recentemente, um abaixo-assinado em que apela ao poder político para que abra um amplo espaço debate sobre o papel do distrito e das assembleias distritais por forma a se encontrar uma solução definitiva para o problema. O documento tem o apoio do STAL, podendo ser subscrito na página do Sindicato, stal.pt.
Em nome da Pró-Comissão, falou ao nosso Jornal Ermelinda Toscano, coordenadora dos serviços da Assembleia Distrital de Lisboa e delegada sindical do STAL.
"Os autarcas são os principais responsáveis"
Alguns políticos defendem a extinção das Assembleias Distritais afirmando que estas não servem para nada. Qual é a opinião da Pró-Comissão de Trabalhadores?
Ermelinda Toscano – Pensamos que esta questão tem de ser discutida de forma séria e não com a leviandade que, infelizmente, se continua a verificar. Não pomos em causa a necessidade da revisão do estatuto e competências das assembleias distritais nem nos opomos à sua eventual extinção desde que sejam acautelados os direitos dos trabalhadores e os serviços que ainda hoje são prestados à população.
Mas o que está na Constituição é que, enquanto não forem instituídas as regiões mantém-se o distrito como figura administrativa, que é também por enquanto a unidade de referência em termos eleitorais. Assim, neste momento, não interessa discutir se as assembleias distritais ou os governos civis fazem ou não falta, desempenham ou não tarefas válidas, devem ou não continuar. O que importa é que o poder político se defina em relação à divisão administrativa do país.
Mas fará sentido manter assembleias distritais que não têm serviços nem funcionários e que não reúnem há anos?
Se a unidade distrito se mantiver, provavelmente tem sentido haver um representante do Governo e um órgão deliberativo que representa todas as autarquias do distrito. É claro que a lei que as regula terá de ser profundamente revista. Mas mesmo sem funcionários e sem serviços, as assembleias distritais podem ter alguma utilidade, tudo depende da vontade política, neste caso dos autarcas.
Que utilidade?...
A Assembleia Distrital de Évora é um bom exemplo do que acabo de dizer. Não tinha serviços nem pessoal. Contudo, quando o presidente da CM de Évora, dr. Abílio Fernandes, assumiu a presidência, mesmo sem funcionários, passou a ter um papel interventivo em termos políticos. Era aquela que mais vezes reunia o órgão deliberativo e conseguia pronunciar-se sobre importantes matérias supramunicipais, nomeadamente, o plano hidrológico do Alentejo.
Mas há autarquias que nem sequer pagam as contribuições que a lei determina?
Esse é o principal problema que nós temos desde que o Governo PSD, em 1991, decidiu retirar às assembleias distritais os serviços que lhes proporcionavam receitas, a comparticipação do orçamento geral do Estado e as proibiu de contraírem empréstimos. Ficámos sem nada! A responsabilidade pelos encargos passou, exclusivamente, para os municípios e, desde então, todos os meses, temos de pedir "esmola" aos autarcas para que cumpram com as suas obrigações. Muitos não o fazem...
Quais são as consequências para os trabalhadores?
Sem dinheiro, não há salários. Em Lisboa já estivemos mais de três meses sem receber o vencimento. E ainda hoje passamos muito tempo a enviar ofícios e a fazer telefonemas para que os senhores autarcas enviem as contribuições. É humilhante, prejudica o nosso serviço e causa uma grande instabilidade pois nunca se sabe se no mês seguinte vai haver dinheiro a tempo. Neste momento, os autarcas são os principais responsáveis pela situação a que chegaram as assembleias distritais.
"Os autarcas são os principais responsáveis"
Alguns políticos defendem a extinção das Assembleias Distritais afirmando que estas não servem para nada. Qual é a opinião da Pró-Comissão de Trabalhadores?
Ermelinda Toscano – Pensamos que esta questão tem de ser discutida de forma séria e não com a leviandade que, infelizmente, se continua a verificar. Não pomos em causa a necessidade da revisão do estatuto e competências das assembleias distritais nem nos opomos à sua eventual extinção desde que sejam acautelados os direitos dos trabalhadores e os serviços que ainda hoje são prestados à população.
Mas o que está na Constituição é que, enquanto não forem instituídas as regiões mantém-se o distrito como figura administrativa, que é também por enquanto a unidade de referência em termos eleitorais. Assim, neste momento, não interessa discutir se as assembleias distritais ou os governos civis fazem ou não falta, desempenham ou não tarefas válidas, devem ou não continuar. O que importa é que o poder político se defina em relação à divisão administrativa do país.
Mas fará sentido manter assembleias distritais que não têm serviços nem funcionários e que não reúnem há anos?
Se a unidade distrito se mantiver, provavelmente tem sentido haver um representante do Governo e um órgão deliberativo que representa todas as autarquias do distrito. É claro que a lei que as regula terá de ser profundamente revista. Mas mesmo sem funcionários e sem serviços, as assembleias distritais podem ter alguma utilidade, tudo depende da vontade política, neste caso dos autarcas.
Que utilidade?...
A Assembleia Distrital de Évora é um bom exemplo do que acabo de dizer. Não tinha serviços nem pessoal. Contudo, quando o presidente da CM de Évora, dr. Abílio Fernandes, assumiu a presidência, mesmo sem funcionários, passou a ter um papel interventivo em termos políticos. Era aquela que mais vezes reunia o órgão deliberativo e conseguia pronunciar-se sobre importantes matérias supramunicipais, nomeadamente, o plano hidrológico do Alentejo.
Mas há autarquias que nem sequer pagam as contribuições que a lei determina?
Esse é o principal problema que nós temos desde que o Governo PSD, em 1991, decidiu retirar às assembleias distritais os serviços que lhes proporcionavam receitas, a comparticipação do orçamento geral do Estado e as proibiu de contraírem empréstimos. Ficámos sem nada! A responsabilidade pelos encargos passou, exclusivamente, para os municípios e, desde então, todos os meses, temos de pedir "esmola" aos autarcas para que cumpram com as suas obrigações. Muitos não o fazem...
Quais são as consequências para os trabalhadores?
Sem dinheiro, não há salários. Em Lisboa já estivemos mais de três meses sem receber o vencimento. E ainda hoje passamos muito tempo a enviar ofícios e a fazer telefonemas para que os senhores autarcas enviem as contribuições. É humilhante, prejudica o nosso serviço e causa uma grande instabilidade pois nunca se sabe se no mês seguinte vai haver dinheiro a tempo. Neste momento, os autarcas são os principais responsáveis pela situação a que chegaram as assembleias distritais.
Não há maneira de fazer cumprir a lei?
Só através dos tribunais, o que leva imenso tempo. A Assembleia Distrital de Lisboa foi a primeira a fazê-lo e o tribunal deu-nos razão obrigando o município de Oeiras a pagar o que devia. Desde então nunca mais falhou. Mas há casos mais graves. No distrito de Faro, por exemplo, a dívida das câmaras remonta a 1994 e ascende a cerca de 440 mil euros (88 mil contos). Todavia a quota mensal é de uns míseros 620 euros (120 contos).
Nestas condições, é óbvio que as assembleias distritais ficam fora de qualquer processo evolutivo. Algumas nem sequer ainda têm um fax. Os trabalhadores não só não recebem os salários a tempo como têm a sua situação profissional estagnada devido à não abertura de concursos. Não há formação profissional e a última revalorização das carreiras ainda não foi aplicada a todos os funcionários.
Há sinais de que o novo Governo altere a situação?
As respostas que obtivemos não apontam para aí pelo menos no imediato. O Governo quer esperar pela revisão constitucional. De momento recusa-se a ponderar sequer a hipótese de destinar verbas no próximo Orçamento de Estado para o funcionamento das assembleias distritais. Significa que vamos continuar a ter de pedir esmola.»
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