sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Novo Modelo de Organização Territorial: que papel para os órgãos distritais?

O texto que se segue tem já dois anos. Foi escrito em Janeiro de 2005 por Ermelinda Toscano (Directora dos Serviços de Cultura da Assembleia Distrital de Lisboa) como contributo para o Fórum "Novas Fronteiras" no painel «Reforma da Administração Pública». Todavia, permanece actual na medida em que, lamentavelmente, nada mudou desde então, muito pelo contrário:

«Mais uma vez as Assembleias Distritais (estruturas deliberativas compostas, em exclusivo, por autarcas, e cuja existência está legitimada pelo artigo 291.º da Constituição) foram esquecidas a quando da elaboração do novo modelo de organização territorial do país.

Aliás, é notório o ostracismo a que os políticos (de todos os partidos) sejam deputados, governantes, autarcas, ou simples comentadores num qualquer jornal, televisão ou rádio, têm condenado estas entidades.

Após anos sucessivos de indiferença camuflada, o cenário que a seguir se descreve é bastante negro: ineficácia orgânica e funcional (devido à inexistência de um órgão executivo e por o deliberativo não conseguir reunir por falta de quórum); crónica insuficiência de recursos financeiros (que impede o regular funcionamento dos Serviços); dependência orçamental de uma única fonte de receitas (as transferências municipais), apesar do art.º 9.º do DL 5/91, de 8-1, prever múltiplas formas de financiamento; frequentes problemas de liquidez de tesouraria (devido ao não pagamento atempado das contribuições provenientes dos municípios); impossibilidade de programar actividades a médio prazo e implementar projectos que impliquem investimento directo (porque as dotações orçamentais não passam de meros exercícios virtuais de expressão contabilística incerta); existência de património imobiliário devoluto (por incapacidade para efectuar obras de recuperação); espólio museológico a degradar-se (por ausência das indispensáveis condições de manutenção).

Sem receberem quaisquer participações do OE, e impossibilitadas de contrair empréstimos, as Assembleias Distritais encontram-se, na sua maioria, numa grave situação financeira. Porque, salvo raras e honrosas excepções, as Câmaras Municipais não cumprem as obrigações que decorrem da assunção das responsabilidades que lhes cabem no âmbito do art.º 14.º do referido decreto.

Infelizmente, as consequências deste comportamento, que em nada prestigia o Poder Local, recaem sobre os funcionários (muitas vezes abandonados, literalmente, à sua sorte), e a quem cabe a ingrata tarefa de apresentar soluções passíveis de remediar os problemas diários, sujeitando-se à permanente humilhação de esmolar a entrega daquelas contribuições. Como prémio pelo esforço e empenho, vêem os seus mais elementares direitos serem, constantemente, atropelados: desde salários em atraso, às dificuldades de promoção na carreira, ao exercício de funções de categoria superior àquela em que se encontram providos, e ao desempenho de tarefas administrativas em detrimento da sua formação técnica, há de tudo um pouco. Sem falar nas condições de trabalho desmotivadoras, na fraca modernização dos equipamentos, na inexistente actualização profissional, e por aí adiante.

Como é possível que, no século XXI e num Estado democrático, continuem a acontecer injustiças desta natureza e os principais responsáveis (Governo e autarquias) permaneçam cegos, surdos e mudos, assistindo, impávidos, ao desenrolar dos acontecimentos? Até quando se manterá esta conivência entre instituições, este estado de pousio indefinido e incoerente, feito de silêncios comprometidos, pouco dignificante da nossa Administração Pública?

Embora muitas, é verdade, sejam órgãos inertes, de peso político nulo e diminuta representatividade no seio da comunidade, é imprescindível não esquecer que algumas destas estruturas asseguram Serviços que desenvolvem actividades de méritos reconhecidos e que importa preservar na prossecução do interesse das populações dos respectivos distritos como sejam, entre outros, as Colónias Balneares de Castelo Branco e de Santarém (na Areia Branca e na Nazaré, respectivamente), o Museu Regional do Algarve (Faro), o Museu Rainha D. Leonor (Beja), o Museu de Arqueologia e Etnografia (Setúbal) e os Serviços de Cultura (Biblioteca, Sector Editorial e Núcleo de Investigação Arqueológica), em Lisboa.

Por isso, é urgente promover um amplo debate nacional para analisar a situação actual e perspectivas de futuro das Assembleias Distritais (património, Serviços e pessoal) e reflectir, seriamente, sobre o efectivo cumprimento do DL 5/91, de 8-1, enquanto o artigo 291.º da CRP não for alterado. É preciso questionar a necessidade em manter o Distrito (não basta que sirva apenas como suporte da lei eleitoral e dos lobbies partidários que se organizam em círculos distritais) como divisão administrativa e a Assembleia Distrital como órgão deliberativo, em particular após a entrada em vigor das Leis n.º 10 e 11/2003, de 13 de Maio. Afinal, o que impede os responsáveis políticos de discutir este assunto?
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